O Estado brasileiro é responsável pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975, durante a ditadura militar. A sentença é da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), publicada nesta quarta-feira (4). O Brasil também foi responsabilizado por violar o direito dos parentes de Herzog de conhecer a verdade e por ameaçá-los.
Fundador do escritório Fragoso Advogados, o jurista Heleno Fragoso atuou em defesa da família de Vladimir Herzog. Em 1978, em ação cível, a Justiça Federal desmentiu a versão do suicídio e reconheceu a responsabilidade do Estado na morte do jornalista.
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Nesta quarta-feira (4), a CIDH ordenou ao Estado, como reparação, adotar medidas destinadas a reiniciar a investigação e o processo sobre o que aconteceu em 25 de outubro de 1975. O objetivo é identificar, processar e punir, se for o caso, os responsáveis pela morte de Herzog.
Ficou estabelecido que, daqui a um ano, o governo brasileiro deverá apresentar relatório mostrando o que fez para reabrir as investigações. O Estado ainda deverá informar como procedeu para pagar a indenização de cerca de U$ 240 mil por danos morais e materiais sofridos pela família a partir do assassinato do jornalista. A indenização foi determinada pela Comissão Interamericana.
“Há 43 anos perdi meu pai. Assassinado violentamente. Uma pessoa de paz, que gostava de pescar, fotografar a família, de astronomia. Eu tinha 9 anos, meu irmão, 7, e minha mãe, 34. Ele morreu por desejar que todos tivessem o direito à livre manifestação em um Estado democrático”, escreveu Ivo Herzog, em seu perfil no Facebook.
“Ficaram 43 anos de luta para que provássemos que ele foi barbaramente torturado e assassinado. Ficou a luta, capitaneada por Clarice Herzog, pela verdade e pela Justiça. Não encontramos esta resposta no país que meu pai adotou como pátria. Tivemos que buscar nas Cortes Internacionais. Finalmente, hoje [ontem], saiu a sentença tão aguardada”, completou ele.
É a primeira vez que a Corte Interamericana reconhece como crime contra a humanidade um assassinato cometido durante a ditadura brasileira.
“A CIDH determinou que os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser considerados como um crime de lesa-humanidade, conforme definido pelo Direito Internacional. O Estado não pode invocar a existência da figura da prescrição ou a Lei de Anistia ou qualquer outra disposição semelhante ou excludente de responsabilidade para escusar-se de seu dever de investigar e punir os responsáveis”, diz a sentença.
Herzog nasceu na antiga Iugoslávia, em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia. A perseguição nazista trouxe a família ao Brasil. Ele era diretor de jornalismo da TV Cultura quando foi ao Destacamento de Operações de Informação-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) prestar depoimento em 25 de outubro de 1975. Naquele dia, foi interrogado sob tortura. Não resistiu ao sofrimento e morreu.
À época do crime, os militares informaram que Herzog cometera suicídio na prisão. Com uma tira de pano, os agentes amarraram o corpo pelo pescoço à grade de uma janela e chamaram um perito do Instituto Médico Legal (IML) paulista para fotografar a cena forjada de que Vlado, como era conhecido, tinha dado fim à própria vida. Na tentativa de comprovar a versão, o governo militar divulgou a foto do corpo pendurado, com os pés da vítima apoiados no chão, o que evidencia a farsa.
Depois da morte, a ação na Justiça Militar sustentou a versão do suicídio.
Em 1992, as autoridades brasileiras iniciaram uma nova investigação, arquivada com base na Lei de Anistia. Anos depois, em 2009, o Ministério Público Federal tentou, mais uma vez, reabrir o caso, mas a juíza Paula Mantovani Avelino, titular à época da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, considerou-o prescrito.
Só em 2012 a Justiça de São Paulo determinou a retificação do atestado de óbito do jornalista. Com a decisão, o motivo da morte de Herzog foi modificado de “asfixia mecânica” para “morte que decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São Paulo (DOI-CODI)”. A mudança foi feita após pedido da Comissão da Verdade, por solicitação da família do jornalista.
“Essas decisões são meios para alcançar novos patamares na nossa democracia”, afirmou Beatriz Affonso, diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil) para o Brasil, que ajudou a família a apresentar o caso na CIDH.
O Ministério das Relações Exteriores informou, em nota, que encaminhará à CIDH, dentro do prazo estipulado de um ano, relatório sobre as medidas implementadas para apurar a morte do jornalista. “O Brasil reconhece a jurisdição da Corte e examinará a sentença e as reparações ditadas”, diz a nota.
(Com informações do El País, O Globo e Folha de S.Paulo)