Um estudo sobre as audiências de custódia do Estado de São Paulo mostra que a omissão de juízes, promotores, defensores públicos e médicos peritos diante de casos de tortura e maus-tratos relatados por presos prejudica a investigação de episódios de violência policial ocorridos no momento da detenção.
O estudo é da ONG (Organização Não-Governamental) Conectas Direitos Humanos. Para produzir o relatório “Tortura Blindada”, a entidade acompanhou 393 audiências de custódia de casos com indícios de tortura ou maus-tratos, entre julho e novembro de 2015, no Fórum Criminal da Barra Funda, na capital paulista.
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No universo das audiências acompanhadas pela Conectas, a maioria dos detidos relatou ter sofrido algum tipo de violência – na maioria dos casos relatados (91%), praticada por policiais. No entanto, parte dos juízes não tomou a iniciativa de fazer perguntas sobre a suposta violência. Esta omissão foi verificada em um terço das audiências.
O estudo mostra, também, que uma parcela dos juízes tratou com desconfiança o relato do detido quando o assunto veio à tona na audiência. O levantamento indica que entre os promotores a omissão diante de casos suspeitos de tortura é maior do que entre os magistrados. De acordo com a ONG, vídeos e relatos mostram juízes e promotores justificando agressões, insinuando que o preso estava mentindo, naturalizando os maus-tratos e negligenciando os testemunhos.
Na última terça-feira (28), o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, defendeu em entrevista ao “Jornal Nacional” (TV Globo) que a violência urbana deve ser combatida com o uso da força. Capitão da reserva do Exército, ele afirmou que policiais que “matarem dez com 30 tiros cada um têm que ser condecorados, não processados”.
A pesquisa revela que, atualmente, já não há apuração de violência e sequer abertura de procedimento em 26% dos casos. Um dos principais objetivos das audiências de custódia, que garantem a apresentação das pessoas detidas pela polícia a um juiz em até 24 horas, é justamente combater a tortura e os maus-tratos.
Audiência de custódia
Nas audiências de custódia, o juiz não avalia inocência ou culpa, mas os elementos processuais sobre a prisão em flagrante, além das eventuais ocorrências de tortura e maus-tratos. Após manifestação do MP e da Defensoria – ou do advogado –, o juiz decide se o acusado terá a prisão em flagrante convertida em preventiva, se responderá ao processo em liberdade ou se não responderá a processo penal, caso considere o flagrante ilegal.
Se houver suspeita de tortura ou maus-tratos durante a prisão em flagrante, o juiz pode determinar a realização de perícia e exame de corpo de delito, além de instaurar investigação criminal ou administrativa contra o policial acusado.
De acordo com o levantamento da Conectas, em um terço das audiências, os juízes não questionaram os custodiados sobre a ocorrência de violência no momento da prisão, mesmo quando a pessoa apresentava marcas no corpo. Segundo a entidade, entre os promotores, a falta de interesse foi ainda maior.
“Em 80% dos casos em que havia relato de tortura, os representantes do Ministério Público não fizeram qualquer tipo de pergunta para apurar a violência. A maioria das intervenções foi no sentido de deslegitimar o testemunho dos presos (60%). Em 42% das ocasiões, os promotores justificaram a agressão ou insinuaram que o preso estava mentindo.”