O advogado Adam Kaufmann conhece como poucos estrangeiros os mecanismos da lavagem de dinheiro e da organização criminal no Brasil. Ex-membro da Promotoria de Nova York, principal órgão de combate a crimes de colarinho branco dos EUA, ele atuou em casos que envolveram recursos de brasileiros que transitaram no país, como os de Paulo Maluf e do Banestado. Para Kaufmann, o Direito Penal no Brasil se integrou nos últimos anos a outras áreas e, pelas complexidades envolvidas, grandes casos de corrupção precisam de diversas experiências legais.
Segundo ele, em escritórios americanos era comum a associação entre diferentes práticas, como comercial e penal, o que não acontecia no Brasil quando ele trabalhou aqui, nos anos 2000.
“Isso mudou. Quando venho ao Brasil, vejo mais integração entre diferentes práticas legais. Os advogados criminais têm que pensar no impacto de processos cíveis enquanto os advogados cíveis têm de pensar em questões ligadas à corrupção. As questões são amplas e complexas”, disse Kaufmann em palestra no 3º Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, no Rio.
Leia também: Depois de empresas, poder público começa a implementar setores de compliance
Só 7 TJs têm varas exclusivas para lavagem de dinheiro e crime organizado
Abusos em acusações se tornaram comuns no Brasil, afirma Rodrigo Fragoso no InfoMoney
Para o ex-promotor, grandes escândalos são cada vez mais comuns e desafiam os escritórios e departamentos jurídicos de empresas. “Essas questões mostram que a prevalência dos casos de corrupção leva a diferentes interelações das práticas do Direito”, afirmou Kaufmann.
O advogado disse que isso se deve à mudança de paradigma na persecução criminal nos últimos dez anos, que começou com o aumento do enforcement de autoridades dos EUA do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA).
Kaufmann diferenciou o alcance de competência da jurisdição cível e criminal nos EUA. “A jurisdição criminal é tão ampla que tem um impacto global enorme. Os promotores americanos têm a possibilidade de criar grandes casos internacionais. Um dos impactos disso é o aumento da cooperação internacional entre agentes da lei. Há times do Departamento de Justiça americano vindo a cidades do Brasil e trabalhando com colegas brasileiros na Lava Jato. Isso não acontecia quando eu estava lá, começou há cinco anos”, afirmou.
Segundo ele, outra mudança foi o aumento de pressão sobre os sistemas bancários, que não conseguem manter em sigilo a origem de certos recursos. “Se você era um criminoso e mandava dinheiro para um banco suíço, estava a salvo. Não mais. A pressão trazida por esses casos criminais americanos fez com que as coisas não ficassem mais separadas. Tudo está conectado agora”, disse.
Para o ex-promotor, isso justifica a queda do uso de offshores para ocultar divisas. O efeito colateral foi a criação de um alerta contra a corrupção. Ele citou diversos novos modelos legais criados em países como Reino Unido, México, Peru (aprovou as leis Odebrecht recentemente) e Argentina. “Todos esses países criaram novas leis devido ao aumento do reconhecimento do problema da corrupção e da capacidade de saber onde o dinheiro está escondido”, afirmou.
Ele conta que o FCPA nunca estabeleceu que as empresas deveriam montar programas de compliance. Mas elas passaram a trazer os casos em busca de acordos de leniência e fazer acordos para encerrar as acusações criminais.
“Uma das condições que o governo americano impôs para obter o acordo era cooperar e fazer um programa de compliance. As empresas, então, fizeram os programas para prevenir a corrupção”, afirmou.
Assim, prosseguiu o americano, o governo passou a beneficiar empresas com bons programas de compliance. “Tudo isso aconteceu nos EUA não por estatutos, mas na prática, à medida em que os casos chegavam.”
Fonte: Jota