Notas históricas sobre a criminalização da gestão temerária de instituição financeira no Brasil
‘Não existe princípio in dubio pro societate’, diz Fernando Fragoso em webinar do IAB
Não existe o princípio in dubio pro societate, pois não há em local algum do Direito referência de que a dúvida em um processo possa ser ofertada em desfavor do réu. Sob essa perspectiva, Fernando Fragoso, sócio do escritório Fragoso Advogados e vice-presidente da Federação Interamericana de Advogados (FIA), palestrou, nesta sexta-feira (3), em webinar do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do qual foi presidente de 2010 a 2014.
Fragoso afirmou não haver sentido na defesa de que a dúvida seja resolvida em favor da sociedade, já que a tese não tem amparo constitucional nem em qualquer legislação. “A prova incerta pode ser usada para absolver o acusado. A dúvida não pode incidir contra o réu. Aprendemos sobre essa questão nos primeiros anos da faculdade”, disse.
O advogado destacou que o Processo Penal só pode conduzir a um julgamento condenatório a partir de uma certeza demonstrável de que o réu praticou o delito contido no tipo penal. Segundo Fragoso, infelizmente, o emprego desse princípio atualmente tem sido vasto, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Esse emprego viola a Constituição, porque a Constituição prega, determina e preconiza a presunção de inocência, que tem como consectário o princípio do in dubio pro reo. A presunção de inocência incide fundamentalmente na decisão judicial que delibera em favor do réu nas situações de dúvida.”
A presidente do IAB, Rita Cortez, participou do webinar, com a mediação do presidente da Comissão de Direito Penal do IAB, Marcio Barandier. Outros palestrantes foram a presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Daniella Meggiolaro, e o vice-presidente da Comissão de Direito Penal do IAB, Ricardo Pieri.
Concordando com Fragoso, Daniella Meggiolaro afirmou que, apesar de ser invocado como um princípio, o in dubio pro societate “não tem previsão em lugar nenhum no mundo”. “Tentei localizar a origem, mas ninguém sabe. Parece ter surgido na época do Código Rocco, mas sequer os italianos fascistas tiveram coragem de colocar esse termo na legislação italiana. Não há, em nosso Código de Processo Penal, nenhuma menção a esse preceito”, disse.
A advogada ressaltou que, mesmo após três décadas da promulgação da Constituição, Tribunais ainda insistem no que chama de “anomalia”. “Como se fosse razoável as pessoas serem levadas ao plenário do júri pela dúvida, e deixá-los serem analisados e julgados pelos jurados sob a ideia de que, na dúvida, vale o benefício da sociedade.”
Para Ricardo Pieri, além de não ter amparo legal e afrontar o ordenamento jurídico, o princípio in dubio pro societate tem resultados negativos não só para a defesa, mas também para os demais envolvidos. “Cria-se uma cultura de acusação que não é boa nem mesmo para a acusação. E, se não é boa para a acusação, também não é boa para a sociedade. De ‘pró sociedade’ não tem nada, pois ela sai perdendo em todos os aspectos.” Pieri sustentou que o preceito surge como uma espécie de contraponto de hostilidade à máxima do in dubio pro reo, presente em diversos diplomas legais.
Rodrigo Falk Fragoso passa a integrar o Conselho Fiscal do Instituto Igarapé
O advogado criminal Rodrigo Falk Fragoso, sócio do escritório Fragoso Advogados, passou a integrar o Conselho Fiscal do Instituto Igarapé, instituição independente, sem fins lucrativos e apartidária, que atua nas áreas de segurança, justiça e desenvolvimento, no Rio de Janeiro.
Rodrigo Fragoso é professor de Direito Penal da Pós-Graduação da PUC-Rio. Advogado criminal desde 2000, atua em casos de crimes financeiros de grande repercussão nacional e em favor de bancos e seguradoras que tenham sofrido fraudes econômicas. Mestre em Ciências Penais (Universidade Candido Mendes), com a dissertação “Agente Provocador” (2006), tem especialização em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra/IBCCrim) e o curso “Leadership in Law Firms” (Harvard Law School). Foi professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na Universidade Candido Mendes (2010) e de Direito Penal Econômico da Escola de Direito da FGV-Rio (2008-2009).
Saiba mais sobre o Instituto Igarapé no site
O Instituto Igarapé é um think and do tank especializado em integrar as agendas da segurança, justiça e do desenvolvimento. Por meio de pesquisas, articulação, novas tecnologias e influências em políticas públicas, propõe novas soluções a desafios sociais complexos. É liderado por Ilona Szabó de Carvalho, co-fundadora, diretora-executiva e coordenadora do Programa de Políticas sobre Drogas, e Robert Muggah, diretor de pesquisa e coordenador do Programa de Segurança Cidadã.
Ligada a organizações e agências do Brasil e do mundo, o Igarapé atua em cinco macrotemas: política sobre drogas nacional e global; segurança cidadã; consolidação da paz; cidades seguras; e segurança cibernética. Sua missão é tornar o Brasil e os países do sul global mais seguros.
Em 2018, o instituto recebeu o Prêmio Lewis Perinbam por contribuição a causas humanitárias; venceu a categoria “One to Watch” (“Para ficar de olho”) no prêmio Think Tanks of the Year, da revista “Prospect”; foi considerado a melhor ONG de Direitos Humanos e ficou entre as 100 Melhores ONGs do Brasil, ambos reconhecimentos do Instituto Doar; e recebeu a Ordem do Mérito da Segurança Pública, concedida pelo Ministério da Segurança Pública do Brasil.
Os outros membros do Conselho Fiscal são o economista Bernardo Calmon, sócio-fundador e diretor da Ventor Investimentos e diretor da Icatu DTVM; Fabiano Robalinho Cavalcanti, sócio do escritório Sergio Bermudes Advogados Associados, e Guilherme Portella.
Em documentos históricos, Heleno e Evaristo criticam autoritarismo da Lei de Segurança Nacional
Promulgada inicialmente em 4 de abril de 1935, durante o governo de Getúlio Vargas, a Lei de Segurança Nacional (LSN) definia crimes contra a ordem política e social. Ao transferir os crimes caracterizados como ameaça à segurança do Estado para uma legislação especial, a LSN funcionou como instrumento de repressão política. Em abril de 1981, os juristas Heleno Claudio Fragoso e Evaristo de Moraes Filho alertaram para o caráter totalitário da lei, pedindo a sua revogação, em pareceres para o Conselho Federal da OAB. Os documentos foram recuperados e publicados nesta sexta-feira (24), no site do escritório Fragoso Advogados. A leitura dos dois textos continua relevante diante da atualidade do tema autoritarismo.
A Lei de Segurança Nacional atualmente em vigor (Lei 7.170/1983) foi sancionada por João Batista Figueiredo (1979-1985), último militar a presidir o país, já no processo de abertura política. No entanto, durante o período ditatorial (1964-1985), diferentes versões da LSN foram usadas, principalmente contra os opositores do regime.
Em pronunciamento ao Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Heleno Fragoso defendeu o julgamento das manifestações de inconformismo político pela justiça comum. “A competência da Justiça Militar foi inspirada pela ideia de guerra subversiva e não tem justificação num sistema democrático de repressão dos crimes contra a segurança do Estado”, argumentou. Segundo Fragoso, naquele momento de aspiração à democracia, a lei era “incompatível com um sistema de legalidade democrática” e estava inspirada em um regime “que encerrou seu ciclo histórico”.
Para Filho, a ideologia da segurança nacional confundia meros adversários com inimigos ou traidores da pátria. “Com a adoção de conceitos totalitários, emanados da ideologia de segurança nacional, todas as manifestações de inconformismo político passaram a ser suspeitas de compor o contexto de guerras psicológicas adversas ou de guerras revolucionárias ou subversivas. Enfim, tudo é guerra, e como tal, deve ser examinada pelos especialistas – a Justiça Militar”, criticou.
Heleno Fragoso questionou ainda a gravidade que o texto legal atribuía aos chamados “crimes de manifestação de pensamento”, afirmando que LSN foi usada para perseguir trabalhadores, jornalistas, estudantes e parlamentares de forma “abusiva e ilegítima”. “Constitui tarefa difícil e delicada, num regime democrático, demarcar com precisão a linha do abuso de manifestação do pensamento punível. O que caracteriza o regime democrático é precisamente a controvérsia e a livre manifestação de ideias”, argumentou.
“É natural a recíproca repelência entre a lei sub examen e uma sociedade arejada pela liberdade, porque a primeira constitui mera emanação e instrumento executório de uma ideologia totalitarista – a da Segurança Nacional – que ‘tende por si, ao absoluto’ e ‘é insaciável’, pois descobre ‘cada vez mais inimigos a combater’”, escreveu Evaristo Filho. Defendendo a superação das divergências político-partidárias em prol do aperfeiçoamento da ordem jurídica, ele ressaltou que “urge a substituição do diploma imperante”.
Em setembro de 2018, o artigo 20 da versão mais recente da LSN (7170/83) foi usado para indiciar o autor do ataque contra o então candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, por inconformismo político. A lei ainda é encarada por alguns especialistas como um dispositivo que abre brechas para o exercício do autoritarismo.
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